21.2.07

Jose Saramago

Sozinho


Mexo o pé direito pra lá e pra cá e vejo que já fiz um buraco fundo na areia. Todos estão dentro da casa, esperando a pizza chegar. Baixou o sol completamente e só um nimbo laranja lembra que já foi dia. Um casal decide parar de jogar a bola com a raquete depois da mulher já não conseguir acertar. “Está muito escuro, amor.” – ela diz -, e os dois seguem para a casa vizinha à nossa, lavam os pés na torneira ao lado do portão e entram abraçados.


O mar é uma enorme massa prateada que fica sozinha comigo, bradando sobre o amor e a solidão sem chegar à conclusão do que é melhor. Escuto passos rápidos na areia, a fricção dos pés e dos tecidos da saia...

- Vamos comer?

- Já chegou?

- Já. Tem Marguerita e Muzzarela.

- Hum...estou indo já, já.

E ela senta devagar na areia comigo.

- Lindo, não é? Só de pensar que amanhã a gente vai ter que trabalhar. O que você sente?

- Como assim?

- Aqui na praia. Eu me sinto diferente.

- Não sei. Sabe quando a música muda seu humor quase que na mesma hora que começa? E sempre tem aquela que te faz acordar, relaxar, pensar em alguém? Aqui parece não precisar de música. É como se ela fosse tocando, abaixando o volume pra dormir e tudo.

- Ah é? E o que está tocando agora?

- Agora? Praia, vento, você aí toda arrumada, acho que John Mayer.

John Mayer é um cara que faz o tipo de música que mulher adora e que não é ruim, definitivamente enquadrada no grupo das que colocam para se pensar ou dar um primeiro beijo em alguém. E ela tinha vindo mais pra acabar com o joguinho que fizemos esses dois dias do que pra me avisar da pizza. Então ela ri quando a elogio, ri quando falo que o Victoria Secrets dela deve ser importado porque eu não conhecia fruta com aquele cheiro e depois olhamos pro mar. Ele continua mal humorado, agora implicando comigo por não pegar logo na mão dela e roubar um beijo.

Eu finjo que não escuto, mas é também o que eu estou pensando então olho pra ela com insistência até que ela perceber e sorrimos juntos e encosto de leve na mão dela que segura a minha e ela entorta o rosto e vem chegando até que o mar fervilha em espumas de alívio, e nos beijamos com a água quase alcançando-nos os pés.

- E agora, o que está tocando?

- Não sei. Apertei pause.

- Por quê?

Chamam a gente de casa. Lá dentro quase todo mundo bebe cerveja no quintal com os pés emergidos na água turva da piscina. E claro que já tinham ensaiado alguma piadinha. Alguém solta um “aêêê” lá de dentro, as meninas também arriscam um ou outro gritinho e ela fica vermelha.

Não sei quem resolveu ir só segunda cedo. A sala tem cinco cabides encapados com ternos dentro que me fazem pensar que os amigos dela devem trabalhar na bolsa ou em um escritório de advocacia. Vai ficando escuro e frio, e os casais são os primeiros a desejar boa noite e ir dormir. Deixam uma rede vazia e eu sento lá com ela. Depois de todos já terem ido, ela acha uma manta e ficamos deitados olhando o mar e discutindo o que iríamos fazer se ganhássemos na mega-sena. Mulher sempre diz que “vai ajudar as pessoas”, mas essa tem planos tão embasados e estratégicos de altruísmo que tenho que inventar qualquer coisa sobre abrir uma biblioteca com o nome de minha avó.

Depois vem o silêncio. Ela sente-se feliz imitando os gestos carinhosos que a atriz usa no galã do filme que mais gosta, pensa se o que acontece agora é elegível a pauta de algum jantar de amigas, se conhece alguém que me conhece para bisbilhotar meu passado e convencer-se apaixonada, ou decepcionada. Eu gasto o silêncio pensando nisso.

E, no alto da noite úmida e pouco iluminada, gosto dos ladrilhos de cores diferentes no banheiro, das tábuas que fazem barulho quando sobem a escada para os quartos, das coisas que eu penso em falar, falo e ela gosta, a cor de seus olhos combinando com as mechas do cabelo. E me seguro para não dormir, já que sei, e o mar entende, que o que sinto é mais comoção de despedida que excitação de descoberta. E na mudez onde só escuta-se o bocejo de ondinhas fracas, desejo que meu silêncio e minha solidão sejam das músicas a mais inspiradora, e minha melhor companhia.

8.2.07



Dai-me dor

Pra convalescer


Saudade, pra tudo ser bom

Viagem, pra um dia voltar

Desastre, pra não querer morrer


Dai-me amor

Pra enjoar.

6.2.07

Rolo

Eu gosto de você. Porque te conheço há muito tempo, já nem segredo tem,
não tem jogo, não tem enrolação.

Se você for pro clube e não der tempo, já me avisa logo. Se eu não puder
ir, falo que não e depois a gente se liga e está tudo certo. Quem vê de
fora pode pensar que é blasezisse dos dois, mas não é, não.

Lembra aquele dia? Estava sem ligar há umas duas semanas e você me
atendeu toda natural. Não te pedi desculpas e você não reivindicou, nem
do jeito melindroso de quem coloca a felicidade num lugar só, nem de
jeito nenhum.

Gosto de você e de como seu perfume fica por uns dois dias, toda vez que
nos vemos. E o cheiro me traz lembrança sua, nos longos tempos que só
imaginamos a vida um do outro como deve estar. Essa semana mesmo estava
na rua, passou uma senhora com o seu perfume e encurtei o passo pra
pensar melhor em você - não troca de perfume, tá? Talvez eu te perca da
cabeça.

E o melhor disso que a gente vive é ele não estar catalogado e, por
isso, poder ser o que nós bem entendermos. Então um dia a gente é
namorado, outro irmão, amigo. Até de outras pessoas que conhecemos a
gente já conversou, mas disso eu não não gostei, não sei se você também.
Não é ciúme. Mas esse negócio de ir se entendendo, saber do estratagema
um do outro, isso só burocratiza o que a gente tem. No fim, isso que a
gente tem não é nada demais, assim como todas as coisas deviam ser e o
que fecilidade deveria significar. O total descompromisso.