17.3.07

Placebo

Existem estudiosos do placebo, e a gente fica sem saber se para a profissão é preciso entender de farinha ou psicologia. Se procurar no dicionário etimológico, vai estar lá: da primeira pessoa do singular no futuro do indicativo do verbo latino placere, significando literalmente "agradarei"). Agradarei. Realmente, encherá de orgulho os instrutores de cursos budistas de três meses de duração, os defensores da homeopatia, e todos os ex-mendigos e hoje palestrantes milionários daquele filme que toda mãe comprou, e que levam para piscina na versão impressa.

Mas para os médicos, imagina. Uma pessoa, excetuando os “quase-virgens” ou muito ricos, passa uns dois anos no cursinho para ingressar em uma faculdade. Lá fica mais cinco, envolto em livros de capa dura antiquíssimos, já que a seleção natural, depois que o macaco percebeu que a semente brota e a ovelha é boazinha, anda bem devagar e nosso corpo tem pêlo e dente do siso há uns noventa e dois mil e oito anos.

E agora, basta abrir uma revista e se confundir inteiro com a terminologia: stress. O stress, se dermos uma olhada no dicionário inglês-português, significa: pressão, cansaço, frisar, dar ênfase, acentuar. (Esse meu dicionário eu comprei por cinco reais na banca. Qualquer um com mais de 200 verbetes diria fadiga, cançasso, nervosismo.) E ele, segundo os estudos mais recentes, é a causa maior de várias doenças. Ataque do coração? Stress. Caimbra? Stress. Queda de cabelo? Já sabe. O que me surpeende é que nem as instituições de ensino, nem os laboratórios farmacêuticos se adaptaram a era da mistificação terapêutica.

Eu, se fosse médico, iria me especializar em stress e, se dono de um laboratório, fabricaria caixas com design arrojado, pílulas que brilhassem no escuro e que carregassem, dentro de todos os elementos descritos na embalagem, princípio ativo nenhum. Seu nome: Stress Free. Sua promessa: Pode pegar o trânsito que quiser, pode deixar sua filha ir para o Funk, sua mulher sair com seu cartão.

Parece brincadeira, mas partindo da premissa que placebo é remédio para quase tudo e stress é a causa de uma doença nova por mês, talvez estejamos perto da salvação mais barata do planeta. O stress é renda vitalícia para a indústria da saúde. Uma consulta a um dermatologista de vanguarda pode me ajudar a ilustrar:

- Esse remédio não funciona. Meu cabelo continua caindo.
- Mas é claro. Você tem que acreditar no tratamento.
- Acreditar? Uma caixa desse negócio custa R$ 150,00. Eu acredito nele.
- Como você está no trabalho?
-...Bem, eu acho.
- As coisas estão difíceis? Porque isso é verdade. Se você passar o dia inteiro se convencendo de que está careca, talvez fique. Pense positivo.
- Eu não suspeitava que iria ficar careca até meu cachorro mudar de casa, e eu perceber que era meu cabelo no sofá, pia, travesseiro. Fui checar no espelho e já estava com essa entrada. Ela já estava lá.
- Está vendo. Você está nervoso.
- Claro, eu estou ficando careca. O meu nervosismo é quase todo medo de calvicie. Eu vou melhorar quando parar de cair. O remédio acredita em mim?

Entendeu? O stress nasceu para glamourizar as terapias medicinais. E, de uma forma ou de outra, garantir que nunca acabem. Porque ninguém, nem eu, nem um pescador de Paraty, deixaremos de ficar putos com uma coisa ou outra. Se alguém não tem motivo para se preocupar, pronto, talvez esse mesmo seja um.

Não sei se estou sendo radical. Até me simpatizo com as baias de massagens nas rodoviárias, shoppings e aeroportos. Nada contra maracujá, insenso, erva de cheiro. Só acho que, se existe meio de mensurar nervosismo, deveriam também medir a felicidade. Porque quanto maior o trânsito, maior o prazer de voltar para casa. Os estudiosos chegariam então a conclusão de que o espírito de todo mundo estava bem equilibrado, e que a epidemia era de uma aguda e rara hipocondria. Ah..uma caixa de Stress Free com trinta comprimidos sairia, nas farmácias e drogarias de todo o país, apenas quatro reais e noventa e nove centavos.