Olhos
Eu e seus olhos conversamos muito. Ele com um azul profundo e eu a perguntar sobre coisas diversas, todas numa língua nova, muda, cheia de neologismos que nosso amor inventou.
Para falar com os olhos, tem de se atentar às suas particularidades. Quando fecham de leve é bom, pois acontece quando a boca abre e os aperta, num sorriso. Quando arregalam, aí é preciso ponderar. Pode ser uma surpresa agradável, um tremendo espanto ou, isso muito raro, um pedido pra que assopre o cisco.
Os seus fazem tudo isso com uma irregularidade que todos os olhos deviam ter. Eles apertam de leve, você logo acha que “tá bom”, “tá feliz”, mas logo deles cai lágrima e você fica sem entender. O que é bom, posto que não há nada mais enfadonho do que olho pragmático.
Outro dia mesmo me diziam coisas sobre você em troca de elogios que saiam da minha boca. Gostam-te tanto, apesar de dizerem que você é parte deles e não o contrário. Vangloriam-se pelas coisas bonitas que já filtraram e até hoje perambulam aí dentro, espiando às vezes pra fora através deles mesmos que, quando isso acontece, brilham.
E para preservar em você o sorriso e neles a cintilação, fazem descer as cortinas da pálpebra para o inapropriado e, abertos, focam bastante em borboleta, criança, filhote de cachorro... Confessaram-me ficarem sem graça na olhada que você dá pro espelho de corpo inteiro antes de entrar no “Box”, mas num acesso de pilantragem que não é normal nos olhos disseram que é lindo, uma coisa maravilhosa que os meus, em conversa particular deles, assumiram nunca terem visto em mulher alguma. Meus olhos também têm lá suas malandragens e me pintam como um bom rapaz para os seus.
Pelo respeito mútuo que existe entre eles, as manhas do meu castanho fazem calmo o teu azul, que sereno comprime-se em contentamento, deixando apenas uma brecha por onde escapa um ou outro segredo.
2 comments:
'Quando ela mente não sei se ela deveras sente o que mente pra mim'.
Entre os seus melhores!
Adorei!
Parabéns Cunha.
Abraço,
Jorge
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