17.9.07

Você Chegou

O que te levou a aparecer assim, justo agora, finalmente, como se estivéssemos atrasados para nosso encontro na vida? Eu não sou ator. Só um dia fui saci numa peça cuidadosamente arranjada pela professora primária, experiência muda e envergonhada que me rendeu não mais que um beijo de minha mãe e risadinhas ácidas de minha irmã mais nova. Portanto, é com muita desconfiança que esquematizo aqui comigo uma certa indiferença, como se não fosse verdade o fato de minhas saídas noturnas já terem movimentado talvez milhares de reais, quitados à vista, mas ainda lembrados por um fígado bastante experiente em sua função. Como se o cigarro impregnado nas calças jeans e camisetas não tivesse fedido, e o cheiro também infiltrado minhas narinas, meus pensamentos amuados.

Essas poucas habilidades cênicas foram utilizadas algumas outras vezes, em tempos de sua falta e minha procura desesperançosa. Cheguei a brigar com você. Fechei os olhos, resolvi imaginar seu rosto, tão imaculado e instigante como agora se comprova, franjas, lábios inquietos, coradinha, e para ele disse os maiores impropérios. Onde, entre todas as coincidências do mundo, você estava? Fiquei muito triste e achei que algo devia estar errado por naquele ínterim já ter havido guerra, paz, terremoto, pela temperatura ter sido a maior dos últimos trinta anos, um nadador ganhar sete medalhas de ouro sozinho e nada de você aparecer. Olhei para o espelho, espremi a vista fixando-a num ponto e disse..."tchau".

Depois, claro, desculpei-me e logo voltei a fazer as coisas que deixavam a esperança mais honrosa. Exercícios semanais eram necessários, supunha. Frequentava a academia. Montava os pesos e repetia os movimentos com profunda concentração, afinal, não estava lá para fazer amizades, muito menos para me inteirar dos acontecimentos futebolísticos. Às vezes me surpreendia passando os olhos em anúncios de escola de dança. E se for dançarina, pensava, de pernas torneadas, e se gostar de MPB? Li a biografia do Caetano.

Já sabia fazer macarrão carbonara, já tinha trocado o som do carro e instalado trava automática. Andava saindo com uma ou outra mulher, todas sparrings de você, quando fui àquela festa. Festa de artista, como as pessoas que estavam lá todas diziam que eram, e eu de calça, camisa e cinto combinando com o sapato. Deve ser assim, não é? Sempre. Quando você menos espera. Porque a roupa para te encontrar estava lá em casa e eu não tinha passado perfume. Bom...mas você veio com os lábios inquietos, a franja e agora dizemos “te amo” um para o outro sem nenhuma precaução. Mesmo você não sabendo dançar e sendo intolerante a leite, não ligar para exercício e só conhecer “Leãozinho”. Mesmo assim.

Eu, que tenho um pouco de medo que acabe, às vezes seguro, seguro, e depois solto um “eu também” murcho achando que posso botar minhoca na sua cabeça. “Ela vai pensar que eu estou pensando que ela pensou”...enfim, essas coisas de quem ama mais do que o psicólogo aconselha. O importante é que você chegou.

2 comments:

Anonymous said...

_já estava desistindo de passar aqui e ter texto novo...
=*

tati tsukamoto said...

muito bom..
passo sempre por aqui pra ler teus textos. sempre boas surpresas.