Noite de Domingo
A noite é um monstro enorme, negro com a mandíbula distendida para abocanhar o mundo. Sua língua, extensões de cimento úmido, abraça já a todos e desemboca aqui, na frente de casa. Afasto de leve o pano da cortina. Pela frincha se vê os dois halos incandescentes, dois postes no fim da rua fazendo tilintar a viscosidade suja da manta de água ante a escuridão de uma infinidade de lâmpadas apagadas. Ele olha pra mim. Uma goteira incessante e irregular tira minha atenção, um segundo, sim, sete segundos, não. Como fosse muito velho ou criancinha, algo não me deixa largar o tecido por completo. Seguro com as pontas dos dedos uma das extremidades da cortina e checo mais algumas vezes a presença eterna da noite de domingo, aqueles olhos esbugalhados que me deixam muito triste, aquela desolação inefável para a qual telefonema e abraços não são de nenhuma utilidade.
Estão lá, ainda. A ponta da língua serpenteando meu bairro, enrolando-me como presa passiva e convencendo-me vencido.
2 comments:
não sei se é um julgamento, mas adorei a língua de textura de cimento fresco (é essa a expressão?) pelos múltiplos sentidos(tb no sentido sensorial) que ela me traz.
gostei.
bel
que bonito!
eu também sou cunha, a da sinusite. e obrigada pelo desejo de melhoras... rsrsrs.
voltarei sempre, poeta!
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