17.12.08

Ser


Especular sobre os devaneios das outras pessoas sempre vai te fazer pequeno. Pensar, simples e involuntariamente, já esmaga muito do que você acredita, criando outras certezas que serão esmagadas um pouco depois. É difícil acreditar em alguma coisa que exponha o que você realmente é. É difícil, impossível, ser uma coisa só. Talvez por isso algumas pessoas falem pouco, valorizando o poder do silêncio. Talvez por isso algumas pessoas falem e riam tanto, mostrando a coragem que tem, ou que querem mostrar que tem, de ser...seja lá o que for.
Mentimos pra nós mesmos, muitas vezes, só para nos convencer de que somos tal coisa, de que nunca mudamos ou de que agora somos totalmente diferentes. A verdade é que a nossa existência depende essencialmente da existência dos outros. Nós somos tudo o que vimos, tudo do que gostamos, tudo o que fizemos e que normalmente não faríamos. Nós somos aquele calafrio que se sente por alguém com quem você nunca conversou e que nem faz seu tipo, aquela alegria que vem sem explicação, durante o dia mais sem graça, o envolvimento com as personagens de um livro. Ser é como amar, como ter esperança, essas coisas que não dão pra tocar e das quais a gente vive apanhando.


http://www.tvcultura.com.br/provocacoes/poesia.asp?poesiaid=267


(Thiago Cunha)

21.11.08

Astronaut


 Things you are supposed to do. You know…when the knowledge of lifetime, even if you’re young, when it all comes like a refreshing certain that some other planets are spinning around us. And once knowing that, it’s up to us choosing between astrology and jets engineering. More than that, touched by the inevitable laziness, there is a slight chance of becoming an astronaut. Like getting the best of it without knowing it all, having the high risk as the only cost. I don’t care about the risks.

I should’ve kissed you.

2.11.08

Mulher em Varadero


Submergia mais uma vez. O céu mosqueado de estrelas, o mar uma placa metálica. A centímetros de profundidade, a água levantava delicadamente suas mechas de cabelo e assim mantinha-se calada e de olhos fechados até que o fôlego acabasse. Ao retornar a superfície, nada. Dezenas de varandas vazias, um carro de segurança desligado.

Mergulhava novamente no frescor atemorizante. Nenhuma barbatana roçou-lhe as pernas. Os grandes animais, àquela hora, também compactuavam com a solidão do mundo. No fundo do oceano infinito, tudo o que escutava era o tirlintar de sua medalhinha de São Francisco, prim, ecoando. Voltou à tona.

Ameaçou dar algumas braçadas, porém logo desistiu, com medo de atrapalhar a tristeza. O que se escutava agora era uma respiração profunda e o leve conflito de ondas pequeninas, suas pernas fazendo o bastante para manter-lhe a cabeça fora d’água com seus cabelos esparramados na superfície do mar em um halo negro.

A orla dormia. Lanternas traçavam o caminho até o fim da margem que desembocava em uma pedra enorme. Aproximou-se calmamente da praia, alcancando o chão em águas mais rasas e caminhando em direção a areia. Andou por ali. Acompanhou o mar e foi sentar-se em um banco.

Havia bebido e em nada pensava. Seu corpo esguio arrepiava-se com o brisa fria, o queixo enrugava-se em contração e fazia-lhe bater os dentes, espremia os olhos e seus cabelos, agora peça única e pesada, gelavam-lhe as costas. Voltou ao apartamento do mesmo jeito que havia saído, descalça e com um traje mínimo de banho. Subiu as escadas do prédio escutando os passos de tantas famílias indo escovar os dentes, depois para cama, sonhar com as coisas inefáveis, com coisas que sabemos sem nos dar conta. Ela virou a chave duas vezes, o gato foi à porta recepcioná-la e, antes de cair no sono, leu algumas páginas de um livro antigo.

11.9.08

Eu sei por que você se foi. Fico aqui, nessa redoma de moralismo absorto, todas as lembranças fazendo você desabrochar na pessoa mais especial que já encontrei.

Percebo que o amor tem lastro na comparação. Nada me remete tanto ao amor quanto ao sol, ao cheiro de protetor solar, o segundo antes de ficar embriagado com cerveja e o som de suas risadas.

Você se foi porque eu ainda não o conhecia. Apareceu-me antes de eu saber amar, e isso é de um pesar irreparável.

16.7.08

Use Protetor

Estão dizendo em todo lugar sobre a importância do protetor solar. Existe até poesia em várias línguas com o título, por isso, quando for a praia, use. Se for correr sozinha bem cedo, enquanto todo mundo ainda está dormindo, escolha usar os tênis de molinhas que seu pai trouxe do duty free. Não me surpreenderá se você o esquecer na casa de alguma amiga, por isso, talvez mais importante que o protetor, seja correr na areia dura onde a água bate. Principalmente por estar descalça, que torce o pé mais fácil, e acima de tudo por ser mulher, que se assustaria ali naquele infinito, sozinha, e iria engolindo um choro triste até em casa onde todos ainda estariam dormindo, aumentando um pouco a dor.

Estenda sua toalha embaixo do guarda-sol, deixe o sal pinicar na pele enquanto passa o olho despretensiosamente no capítulo de um livro que parece não acabar. Não pense em nada, acompanhe um barquinho lento o máximo que puder, tente entender a conversa dos meninos construindo o castelo e peça um sorvete.
Mergulhe de novo no mar, saia da água dando aquela jogada de cabelo pra trás, que você insiste em dizer que é pra não atrapalhar a vista mas deve ter fundo glamouroso. Peça uma caipirinha (cuidado com o limão!) quando o sol estiver se pondo.

Em casa, entre na piscina. Coloque a música que mais gosta e aproveite a quentura das pedras da borda, que esperaram o dia inteiro por você e já estavam esfriando de tão sozinhas. Quando esquentar muito, role pra grama. Vai coçar, tome banho. Use os mais sofisticados produtos da nécessaire, se demore, sinta o quão sensíveis estão suas bochechas vermelhas. Passe creme.

A sala vai estar com cheiro de macarrão, o pessoal insiste em jogar truco até hoje, algumas meninas assistem a novela e dão risada. Se tiver dúvida na roupa ou no cabelo, saia e solto. Você fica linda de saia. Aquele colar branquinho que todo mundo tem também é chique, e em você parece ser bem mais sofisticado.

De madrugada, quando estiver dançando pra disfarçar na roda de amigas, cante. Olhe para quem te interessar, vai ser bom, você é tão bonita. Brinque entre as amigas com as abordagens sem cabimento dos homens bêbados. Beba duas cocas antes de ir embora, talvez sobre pra você dirigir.

Você vai voltar cansada, cheia de curtas histórias, você e todo mundo. Conte alguns segredos no quarto das meninas, converse com o “carinha” amigo do dono da casa e que acha que você dá mole, sendo que no fundo você só estava sendo legal. Pegue um copo d´água. Olhe por alguns minutos as espumas desaparecerem no breu do mar, a lâmpada da varanda cheia de bichinhos, volte pra cama e torça pro sonho ser bem diferente, daqueles de escrever no caderno e mostrar pro psicólogo.

(Thiago Cunha)

10.3.08

Alma

Sinto que se desgarra. Já toma próprio rumo, a procura de novo coração. Ao meu já não resta nada mais que bater, manter todo o resto sob controle, acordando e dormindo. Minha alma embrenhasse em mata fechada, folhas longilíneas com singelos florais brancos na ponta. Mundo desconhecido que eu perco a curiosidade de enfrentar. Ela diz que posso ir seguro, que já vem logo atrás, me acompanha. Mas mente. Ela começou a mentir pra mim, e eu já não me importo.

Frustrações reincidentes amansaram minhas expectativas, hoje muito bem supridas pela grade das TV’s abertas e pagas, colunistas, pelas saias curtas que estão voltando às vitrines, marcas de cerveja, condições de parcelamento, pílulas do dia seguinte, aparelhos eletrônicos em promoções relâmpago, livros de como entender a economia, como aproveitar a queda da bolsa da china, como economizar na vida conjugal, como arranjar uma conjugue.

Minha felicidade cabe nisso e projeta-se, a médio e longo prazo, em oportunidades não menos previsíveis. A alma convida-me a andar descalço na grama, a fazer visitas românticas a lugares esquecidos da cidade. Meu corpo pede para esperar. Não se pode gozar da felicidade assim, sem cautela, ele diz, e volta a concentrar-se na propaganda de margarina.

Felicidade, grama, cachorro correndo em volta da piscina.
Trabalho, dinheiro, grama, cachorro correndo em volta da piscina, trabalho, trabalho, felicid...