Resort
É a terceira vez que deixo a chave do quarto cair entre os vãos de madeira do deck da piscina. Uma coincidência terrível que agora faz a moça da recepção apenas entortar a cara, depois de já ter dito que isso sempre acontece ou que iriam mesmo tomar uma providência sobre as valas no piso. Pede para esperar um minuto, arfa explicitamente e apanha um novo cartão da gaveta. Pronto, tome.
O hotel foi projetado a beira da praia e o mar quebra logo aqui, separado da piscina por um deck suspenso. Cercados pelas paredes estamos nós, hospedes, relaxando, comendo, nos divertindo e sendo felizes. É isso exatamente o que uma placa no lobby sugere: descanse, coma, divirta-se e seja feliz, em letras azuis acima da imagem de um sol estilizado.
Depois de atravessar longos corredores, eu chego ao elevador e subo para o quarto, exagerado para a estadia de apenas uma pessoa. A cama menor logo vira cabide. Ao abrir a varanda, a proximidade com o mar é de grande efeito, fazendo-me lembrar de um poema de Pablo Neruda.
Os hóspedes são quase todos integrantes de uma convenção do Ministério da Saúde ou de famílias bem grandes e para garantir que sejam felizes, dezenas de pessoas uniformizadas de regatas amarelas e shorts de corrida gritam “bom dia” pelos corredores. Na piscina principal, correm pelas bordas puxando as senhoras pelas mãos e jogando-as na piscina, depois um carrinho emboca em uma das margens e descarrega dezenas de isopores coloridos ao som de Fred Mercury, enquanto um dos animadores encaixa seu microfone na cabeça e começa um gesticular ridículo de boca, braços e tronco. A felicidade transborda com os movimentos das pernas flácidas.
Os maridos apoiados no bar pedem cerveja e assinam papéis com canhotos cor-de-rosa. A felicidade é um uníssono de gargalhadas guturais sobre piadas pornográficas.
As crianças me perguntam o nome e querem ser jogadas para cima, e mais uma vez, agora de costas.
Uma das dançarinas pergunta o que é que estou fazendo por aqui. Os funcionários do Ministério não pagam a bebida e alguns me arrumam wisky e eu fico feliz. Fico bebendo sem assinar papel algum.
Depois pego um livro e vou para uma piscina afastada. Minha felicidade não quer ser catalogada, eu não quero fazer esquibunda. Comigo sempre está uma garota que, percebe-se, come mais do que é feliz. Ao me ver chegando, veste a camiseta e coloca os óculos escuros. De vez em quando levanta e encosta na água da piscina com a ponta dos pés. É a dica para que eu possa dar uma circulada e ela entrar sem que ninguém a veja de biquíni. Para sair, encosta na borda, bem na minha frente, com o olhar perdido no mar. Dou outra volta e ela já está novamente vestida com seus óculos escuros.
Fico lendo Lygia Fagundes Telles até escurecer. É genial, triste, e minha felicidade é esse silêncio de milhares de palavras impressas. De repente escuto um “Thiago” baixinho. E novamente. Na varanda alta, uma criança se estica e acena ainda vestindo a bóia.
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