30.10.05

Cidade Grande

A cidade grande nutre na maioria das pessoas o sonho de, no meio de tanta gente, conhecer alguém que faça o resto desaparecer. Os quilômetros de lentidão nas marginais fazem com que muito do que era pra ser conscientemente gasto com a troca do carro, presente pra mulher e outras coisas que juntam dinheiro pra ter dar nas grandes cidades, seja aplicado em viagens pouco planejadas pra praia e hotéis fazendas. Lá as pessoas das grandes cidades se divertem, bebem vinho, e se prometem que irão começar a juntar pra uma casa no campo.

Você sente mais das grandes cidades quando utiliza o transporte público. Metade das pessoas dorme, porque é cedo e no contrato consta: 8:00 às 17:00. No trabalho, meio às coisas que eles já fazem por anos, pensam sempre em alguém e dá saudades. Não precisa estar longe para ter saudades na cidade grande. Basta cruzar a pessoa duas vezes sem cumprimentar, esquecer de perguntar como ela vai ou se tem alguma novidade. A cidade faz o resto, até você sentir a saudade estranha de alguém que senta ao seu lado.

Quem vive em cidade grande tem milhões de possibilidades. A princípio as pessoas ficam muito contentes com suas escolhas, mas depois, como se tivessem pago por elas, se arrependem e perguntam-se se não acabaram levando só por causa da promoção. A cidade grande, invariavelmente, passa a impressão de que tudo tem preço.

Pessoas das cidades grandes alugam filmes e choram, ou riem, porque fica cada vez mais difícil fazer isso sem nenhum pretexto. Acontece sim, mas de supetão. Na cidade grande, as emoções parecem sintomas de doença de fundo nervoso.

Come-se muita pizza e a expectativa das férias, caso houvesse como medir, seria a mais pesada, a mais alta de todas as outras localidades. Porque o túnel inunda, porque ele viu um assalto à mão armada bem lá na frente e ninguém fez nada. As ondas do mar são mais poéticas, o campo traz uma paz maior, o axé fica menos bobo pra quem é da cidade grande.

O domingo é angustiante am qualquer lugar. Na cidade grande o domingo é um senhor ranzinza e rancoroso, que escolhe a grade de programação das tvs, faz o dia durar menos, lota todas as salas de cinema e, quando muito afetado, faz chover. E nesse dia dá vontade de ligar pra um estranho, dá preguiça de fazer churrasco, e chora-se muito, um choro curto que não sabe ainda se é nostalgia ou medo do futuro.

Na cidade grande as pessoas lembram cada vez menos dos seus sonhos. O sonho é sempre acordado, uma equação de juros compostos, de DRE projetado. Alguns parecem ignorar o stress e o café, e dizem que sempre sonham com gente voando e com beijo, mas esses são poucos.

Quem mora em grandes cidades acorda cedo, trabalha muito, dá uma passada no “happy hour” e dorme com a impressão de que esqueceu alguma coisa. Ajusta o despertador, dorme de lado e com travesseiro, lembra de quanto o médico disse que é bom dormir, mas não lembra do sonho, não lembra.

(Thiago Cunha)

1 comment:

Anonymous said...

eu sonho que vôo e durmo com a impressão de que eu esqueci alguma coisa. mas eu sei que é só culpa de ser uma pessoa da cidade grande. com beijo eu não sonho não.
gostei do texto. :)