6.10.05

O Amor Morreu

O Amor morreu. Foi, como elefante idoso, desfruir sozinho de suas tenras lembranças. Diziam que sua trajetória lhe resguardava ainda muitas alegrias, enganaram-se.Tédio, amigo recente porém muito próximo, disse que Amor andava amuado, que não via razão nem porquê.

Sobre suas últimas palavras, nada se sabe. O falecido não tinha inimigos, uma ou outra briga com editores de revistas masculinas e advogados matrimoniais, mas nada que justificasse seqüestro ou homicídio.
“Há tempos proferia maluquices, impassível, bebendo feito louco, não sei se para comemorar ou aliviar a tristeza”, disse uma das testemunhas ao juiz, mas não precisaria. Um minucioso laudo médico constatou a morte por inanição: “Amor realmente deixou-se ir”.

Vagou por dias por acostamentos de movimentadas estradas, sem ao menos tentar pedir carona. Certa tarde adentrou terreno árido e, no meio da noite fria, sozinho, sobre o clarão da fogueira de livros e fotos, sucumbiu ao que lhe consumia e não tinha nome.

Seu enterro foi simples para despistar a imprensa. Como não tinha família, foi escolhido um cemitério qualquer, em uma simpática cidade do interior. Apenas amigos mais próximos e grupos de jovens pseudo-hippies atenderam à cerimônia.

A perda já toma conhecimento internacional e suas conseqüências são visíveis; Excluiu-se em definitivo a determinação latente de se formar família para crescer na empresa e começa hoje a construção de uma grande muralha nas delimitações da Amizade. De agora em diante, todo olhar entre duas pessoas de sexos opostos é lascivo e o número de filhos já é quase equivalente às ações movidas no PROCON contra as fábricas de preservativos.

O novo ocupante do cargo ainda está sendo prospectado, mas é sabida a intenção da bancada em eleger Tédio, dizem que por sua integridade e inteligência emocional.

Façamos um minuto de silêncio.

(Thiago Cunha)

2 comments:

Anonymous said...

Genial.
Juro que por vezes me surpreendo quando vejo Thiago Cunha escrito entre parenteses.
Quanto ao falecido... felizmente (ou não)eu acredito em reencarnação e olho torto para substitutos.
Talvez ele volte com outro nome, em corpo improvável. Caberá as almas sensíveis reconhecê-lo.

Anonymous said...

Vc gosta de literatura latina?? Senti uma mistura de Gabo e um pouquinho de LLosa no fluir do texto. Achei muito bom! Parabéns!