27.10.05

A Menina e o Passarinho

Amanda pediu que eu comprasse um pássaro branco, que já estivesse cantando, de preferência canário. Periquito não canta, mas disse que também podia caso as manchas fossem bem pequenininhas, branco de manchas azuis.

Fui à loja que me parecia mais honesta. Na verdade tinha ido a outra, um enorme galpão, moderno e iluminado, onde bichos escondiam-se assustados na gaiola, na mira de centenas de prováveis donos e toda aquela alta voltagem de luzes frias néon. Os peixes eram excepcionalmente impassíveis, fazendo a única cara que sabiam fazer.

Enfim, não gostei, já me tomara muito tempo a reflexão sobre o paradoxo da liberdade, a gaiola, instinto, asas. E retiro o que disse, não procurei a loja por economia e sim por romantismo.

Fui parar em um estabelecimento que parecia ignorar todo consenso de layout e atratividade varejista. Um lugarzinho apertado, cheio de penas, onde quem ousava entrar era recepcionado por olhares enviesados de frangos criados soltos.

Quase todos os pássaros expostos não estavam a venda. Ou eram do patrão, ou estavam doentes, ou só procriavam porque eram fortes e cantavam bonito, e minhas esperanças iam minguando ali, meio ao cheiro de jiló. Até que, dando mais uns três passos eu vi, escondido entre galos e pombos, o pássaro branco, canário e à venda.

- Já está cantando?

- Tá. Disse o atendente dando um tapinha em um dos cantos da gaiola.

- Quanto?

- Sessenta reais. Oitenta com a gaiola.

Achei caro...

- E é de cativeiro?

- Quê?!

Bem lacônico pra vendedor...

- Nasceu na gaiola?

- Isso não sei, não.

Saí desconfiado sobre a procedência e duvidando da qualidade vocal do bichinho, mas certo de que Amanda iria gostar.


***


Me escondi depois de tocar a campainha, do mesmo jeito que sempre fazia.

- Olha Amanda, o passarinho!

Queria que o bicho desse ao menos um “pio” em sua apresentação, mas permaneceu estarrecido. Nem se deu ao trabalho de fechar o bico, que mantinha aberto desde que entrou no carro.

- O moço disse que canta. Deve estar nervoso.

- Ah, tio. É muito bonito. É lindo mesmo assim! – disse, já chacoalhando as mãozinhas, sugerindo que lhe passasse a gaiola.

Pôs-se nas pontas dos pés, apertou os lábios pedindo um beijo e, mal eles soltaram de minha bochecha, já perguntou por um prego.

- E já sei onde vai ficar, lá na varandinha do quarto. Assim ele me acorda, aprecia a vista e canta com os outros passarinhos. Será que passarinho na gaiola fica triste vendo passarinho solto?

- Acho que não, passarinho não fica triste nem feliz.

- Que mentira, claro que fica, senão não cantava. Ele canta quando está feliz. Ou quando voa. Acho que passarinho de gaiola só tem meia felicidade.

Me intrigou a profundidade de suas conclusões. Há pouco tempo (muito pouco) tudo o que ela fazia era perguntar (muito).

- Fica tranqüila Amanda, não existe felicidade inteira.

- Ah tio, você diz isso porque canta muito mal e não sabe voar.

E disse com uma tranqüilidade, com um desprezo tão sereno, que só me restou perguntar pelo martelo.

(Thiago Cunha)

2 comments:

Anonymous said...

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Anonymous said...

Adorei! Diálogo é difícil de fazer! Mas fiquei presa ao texto, mesmo.