24.8.09

Astronauta


Fechou mais uma vez a comporta 22, voltou para a sala central onde os
japoneses conversavam euforicamente e sentou na cadeira, largando o
corpo. Murmurou "ai Maria, que saudades", levantou-se, respondeu
reciprocamente ao sorriso de um dos parceiros intergaláticos e
recolheu-se na cabine privada.

A base era um aperto, o exercício era quase impraticável, apesar da
modorra ser motivo maior que a falta de espaço. Até da respiração eles
haviam sido instruídos a não abusar, e por todas as pesquisas também
andarem devagar devido a falta de verba de sabe-se lá que cluster,
sobrava muito tempo para divagações.
Heis as dele, penduradas na cortiça que a NASA aprovou pregar, ao lado de
sua beliche.

" Ainda não me descobri como dono ou desertor do planeta. Minha
posição pode muito bem ser interpretada das duas formas. Sinto
saudades, o que sugere que a segunda teoria seja a mais correta.

" Os japoneses, nas horas livres, jogam cartas e cantam. Não aprendi
sequer uma palavra em japonês enquanto estava aqui. Nos comunicamos em
ingles, e nessa lingua me disseram que cartas e músicas são seus
hobbies. Comecei a acreditar que existe muito mais de você no hobby
que no ofício. Eu sou a contemplação do mundo. Abro a comporta horas
seguidas para sublimar o momento em que pela janela espio o mundo.
Queria ter sido músico. Hoje é bem sabido por mim todas as
peculiaridades envolvendo físicas e engenharia mecânica. Acordes sei uns 4.”

"Maria não é perfeita. Sua falta por vezes é triste, mas não é
perfeita, bem como eu que saio do mundo só pra sentir falta dele.
Saudade é coisa perecível que quando vencida vira mera curiosidade.
Faz muito tempo, eu e ela viramos a curiosidade um do outro: "Como
andam as coisas por lá?" E a distância vai enchendo uma bolha
especulatória que parece aumentar e nunca explodir. Dentro dela o amor torna-se a coisa mais sublime, já que se ama a idéia e longe não existe o real para contra-balancear todas as doces expectativas.”

“Vejo o mundo pequeneninho da sala de refeições. É estranho mensurar tamanho e tempo vendo o mundo desse jeito. Tento imaginar meus conhecidos com maior perspicácia, e para isso não sei se “tiro a raiz”, divido ou multiplico. Quanta vida existe. Tenho medo de que em mim ela mingue, lá dentro. A solidão simplifica e endurece a vida. Me sinto bem, mas pouco falo com o resto da tripulação, minhas indagações andam a serem interpeladas por concisas certezas e isso me preocupa. Elas já duram muito e são poucas. As estrelas, pra mim, tornam-se aos poucos os pedregulhos que de fato são.”

“Considerando existir coisas vivas, e outras vivas dentro dessas, tenho as segundas como as mais grandiosas, e em mim atrofiam por já não terem treino periódico. Se pudesse ao menos adicionar o tato ao exercício de sua lembrança…”ah, Maria”…

“A idéia do infinito, especulada lá de baixo por casais de namorados aos suspiros, vira daqui de cima o fato mais enfadonho. Resta a mim imaginar a redoma do universo, uma janela do lado de fora e alguém ainda mais sozinho a me observar.”

“Torcer para que ainda sejam muitos os beijos da metafísica no ceticismo e que eu chegue perto, mas não volte mais à Terra. É de toda a gente, e de mim também, isso de ser mais completo na convalescença da doença que no gozo da completa saúde. Que eu chegue só perto”.

1 comment:

Isadinha said...

comporta mais uma astronauta?