3.8.09

Quero Apenas Passar

Ela, a princípio, era apenas uma mulher de classe média com os cabelos desalinhados e bicolores. Vista um pouco mais de perto, percebia que chorava. Olhava para o chão. Dava voltas em torno de algo que a princípio não era nada, um volume felpudo embrulhado em um pano cor de rosa. Visto de perto, um cachorro morto.

O trânsito espreme-se em torno da mulher e o bicho, fazendo buzinas clamarem furiosas, talvez não para que o tráfego fosse totalmente liberado, mas o necessário para acompanhar de perto a trama.

O motorista sai do carro com um ar solícito e logo apóia a mão no ombro da senhora, que o ignora. Um cobrador de ônibus também desceu do veículo e algumas pessoas de guarda-chuva perguntam o que aconteceu. Entendo pelo movimento de seus lábios: "não foi culpa dele". A mulher ajoelha no asfalto com uma calça de moletom, joga o tronco para frente na direção do cachorro e lhe saltam as banhas brancas riscadas por estrias profundas. Seu tórax se contrai muitas vezes em pranto e o motorista checa as horas no relógio. O cachorro deixou apenas uma linha vermelha de sangue no pára-choque.

A garoa fina não dilui a possa em torno do cachorro. Seus pelos são brancos, o asfalto muito preto, o sangue vermelho cintilante. Todos olham apenas uma vez para o bicho e logo viram a cabeça em horror pelas tripas expostas. Crianças continuam olhando. Pessoas muito preocupadas com o horário querem apenas passar e buzinam sinceramente.

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