20.4.06

Missa na Catedral de Sínope



Diógenes. A satisfação é proporcional à privação da vontade.

(silêncio)

Todos. Heis que poupo a segunda para assegurar-me da primeira.


D. A crença no destino é o amém de quem largou a mão de deus.

T. Pois feliz é quem lhe deixa escapar também a conformidade metafísica.


D. Ser você mesmo salva, ao passo que te apaga.

T. Pois que sumamos na embriagada tranqüilidade.


D. E para isso estarão prontos?

T. Sim, para isso estaremos.


D. O hoje é onde temos de nos ater à vida, posto que o resto é imaginação.

T. E que, entre o término de um dia e o início do outro, a fugacidade do agora não nos assombre.


D. É normal que a indiferença nos venha a somar como poderosa vantagem. A virtude está em sustenta-la ante às maiores tentações.

T. E das virtudes, da mesma forma, iremos esquecer.


D. Amor é reação química na cabeça de quem ama.

T. Cabe a nós nos convencermos do contrário.


D. E se por fatalidade o fizerem...

T. ...que a razão tenha misericórdia de nós.


26. CANTO FINAL (MIL PERDÕES – CHICO BUARQUE)

1- Te perdôo*por fazeres mil perguntas, *que em vidas que andam juntas *ninguém faz. *Te perdôo *por pedires perdão, *por me amares demais.


2- Te perdôo. *Te perdôo por ligares *pra todos os lugares *de onde eu vim. *Te perdôo *por ergueres a mão, *por bateres em mim.


3- Te perdôo. * Por contares minhas horas *nas minhas demoras por aí. *Te perdôo. *Te perdôo porque choras *quando eu choro de rir. *Te perdôo por te trair.

Thiago Cunha

16.4.06

Quase Nenhuma Palavra

Tenho amores com os quais não ouso conversar.


Não travo laços com elas que, por tanto devaneio meu, tornaram-se já grandes personalidades da revista diária que publico e entrego pelas esquinas da imaginação.


São bacantes poetisas, beatas castas arrependidas, neo-hippies vendedoras de bijouteria, que na mais profunda dor aparecem, com brisa de praia, a me sorrirem e dizerem, cada qual com sua voz, o quão tranqüilo tudo está, “não é”?

E me arrependeria muito se um dia cedesse, ao deixar-me escutar delas mais que isso.


Amores são sonhos e, como tais, acabam logo quando tentamos transpô-los à verdade, botando-nos a sonhar de novo.


São idéias a andar em sapatos de estranhas, embaladas em uma estética que perpetua indefectível nas manchetes fervorosas de minha publicação, recheada de fotos e quase nenhuma palavra.

Mais que isso seria talvez conhecê-las, e conhecer alguém é quase sempre exercitar a ponderação de nossas expectativas.


E se sexo sobrou desconsiderado na teia dessa teoria, já que deveras necessário para a paz que procuramos, digo-lhes que as mulheres que porventura sejam bonitas, e por fatalidade eu venha a conhecer melhor, são apenas os degraus errantes a me conduzir à superioridade do onanismo solitário.

Thiago Cunha


9.4.06

Salva-se o Hoje

Depurando-se da nostalgia e da esperança, salva-se o hoje para praticarmos as besterias das quais cismamos em nos privar.

Pois não importa o que hoje você faça ou diga.

Caso o "conjunto de você" resulte em grande impacto, no futuro ou no passado, hão de criar um heterônimo a arcar com sua estupidez de agora.

Thiago Cunha

Hão de me jogar ao mar, já pó seco, em meu fenecimento. E todos já de mortiço e embriagado sentimento deixarão me ir, com o intenso azul que na noite é o breu silencioso do nada. E nada também vou ser eu, ao tocar no fundo, de modo figurativo porque até lá já teria diluído ou me espalhado bastante.

Iria sem caixão, sem epitáfio, virar a lembrança mais doce. E tem de ser em pó e no mar pra isso, para que o derradeiro descanso siga o mais inexorável caminho, e nada possa ser consultado ou remexido.

Só haverão de ter comigo, caros amigos, nas abstrações particulares do que achavam que eu era. E isso, entre todas as coisas que eu fiz, será pra cada um o meu “eu” mais misteriosamente bonito.