27.8.09

Tomtom

Estrelas cintilantes eletrônicas
Fosforescem as estradas que me indicam
As vozes estridentes poliglotas.

24.8.09

Astronauta


Fechou mais uma vez a comporta 22, voltou para a sala central onde os
japoneses conversavam euforicamente e sentou na cadeira, largando o
corpo. Murmurou "ai Maria, que saudades", levantou-se, respondeu
reciprocamente ao sorriso de um dos parceiros intergaláticos e
recolheu-se na cabine privada.

A base era um aperto, o exercício era quase impraticável, apesar da
modorra ser motivo maior que a falta de espaço. Até da respiração eles
haviam sido instruídos a não abusar, e por todas as pesquisas também
andarem devagar devido a falta de verba de sabe-se lá que cluster,
sobrava muito tempo para divagações.
Heis as dele, penduradas na cortiça que a NASA aprovou pregar, ao lado de
sua beliche.

" Ainda não me descobri como dono ou desertor do planeta. Minha
posição pode muito bem ser interpretada das duas formas. Sinto
saudades, o que sugere que a segunda teoria seja a mais correta.

" Os japoneses, nas horas livres, jogam cartas e cantam. Não aprendi
sequer uma palavra em japonês enquanto estava aqui. Nos comunicamos em
ingles, e nessa lingua me disseram que cartas e músicas são seus
hobbies. Comecei a acreditar que existe muito mais de você no hobby
que no ofício. Eu sou a contemplação do mundo. Abro a comporta horas
seguidas para sublimar o momento em que pela janela espio o mundo.
Queria ter sido músico. Hoje é bem sabido por mim todas as
peculiaridades envolvendo físicas e engenharia mecânica. Acordes sei uns 4.”

"Maria não é perfeita. Sua falta por vezes é triste, mas não é
perfeita, bem como eu que saio do mundo só pra sentir falta dele.
Saudade é coisa perecível que quando vencida vira mera curiosidade.
Faz muito tempo, eu e ela viramos a curiosidade um do outro: "Como
andam as coisas por lá?" E a distância vai enchendo uma bolha
especulatória que parece aumentar e nunca explodir. Dentro dela o amor torna-se a coisa mais sublime, já que se ama a idéia e longe não existe o real para contra-balancear todas as doces expectativas.”

“Vejo o mundo pequeneninho da sala de refeições. É estranho mensurar tamanho e tempo vendo o mundo desse jeito. Tento imaginar meus conhecidos com maior perspicácia, e para isso não sei se “tiro a raiz”, divido ou multiplico. Quanta vida existe. Tenho medo de que em mim ela mingue, lá dentro. A solidão simplifica e endurece a vida. Me sinto bem, mas pouco falo com o resto da tripulação, minhas indagações andam a serem interpeladas por concisas certezas e isso me preocupa. Elas já duram muito e são poucas. As estrelas, pra mim, tornam-se aos poucos os pedregulhos que de fato são.”

“Considerando existir coisas vivas, e outras vivas dentro dessas, tenho as segundas como as mais grandiosas, e em mim atrofiam por já não terem treino periódico. Se pudesse ao menos adicionar o tato ao exercício de sua lembrança…”ah, Maria”…

“A idéia do infinito, especulada lá de baixo por casais de namorados aos suspiros, vira daqui de cima o fato mais enfadonho. Resta a mim imaginar a redoma do universo, uma janela do lado de fora e alguém ainda mais sozinho a me observar.”

“Torcer para que ainda sejam muitos os beijos da metafísica no ceticismo e que eu chegue perto, mas não volte mais à Terra. É de toda a gente, e de mim também, isso de ser mais completo na convalescença da doença que no gozo da completa saúde. Que eu chegue só perto”.

23.8.09

Meu Ombro Dói

Minha alma de artista é criança. Ela não pensa em dinheiro. Mora em um planeta de argila que quer mudar. Meu corpo coorporativo lança todo gasto em uma planilha computadorizada de controle e nem suas próprias articulações são muito maleáveis, visto que meu ombro parece não sarar.

Eu estico o braço para o banco de trás tentando alcançar a mochila. Ele dói. Passo a marcha, ele dói. Dói quando eu seguro muito o celular no ouvido e também se cumprimento um cliente mais entusiasmado.

Vou para o médico e saio com uma indicação para dez sessões de fisioterapia. Lá, conheço uma senhora que mora em um asilo e é dona de um peixe que nada de cabeça para baixo devido a uma enfermidade aquática que o rapaz que o vendeu não sabe explicar, o que faz com que a senhora fique muito chateada, falando bem fino e baixinho, porque joga a comida e o peixe só a enxerga muito tempo depois, tendo que caçar os flocos coloridos entre o cascalho do fundo.

Puxo um elástico dez vezes seguidas, por três vezes intervaladas, escutando sobre o peixe morcego que não morre, apesar da má alimentação e exótica postura. Agora a bola, apoio com o braço dolorido em uma bola gigante. O ultra-som agora, agora deita aqui. A dor não passa.

Busco o meu casaco no banheiro. Em pensar que finalmente voltaria a jogar tênis. A moça da academia me liga. Olá, bom dia, eu queria estar marcando, quando você vai estar melhorando? Não sei, o ombro não pára de doer. Em pensar que eu ainda tenho mais nove parcelas do tênis do Rafael Nadal e cinco mais da raquete do Bagdadis.

O cliente me liga. Falta produto. O produto está muito caro e é bom parar por aí e não aumentar esse preço porque senão o consumidor vai se assustar. Você não vai aumentar, não é? Eu tenho que aumentar. Eu tenho que chegar lá e dizer que deu alguma “zica” na Argentina. Vou aumentar e ainda vou ter que vender. Vou dizer que se não for comprar, pode esquecer aquele desconto na nota, aquele aumento no prazo. Tem que comprar.

Dez sessões. Entro no carro, vou buscar a pasta no chão do carro, meu ombro dói. Passo a marcha, meu ombro dói.

22.8.09

Gráfico do Sentimento Pendular Perene


Já faz um tempo em que não nos encontrávamos. Eu e esse estado flutuante de consciência. Talvez tivesse esquecido a receita que agora escrevo e arquivo para posterior consulta. Basta, em noite de total confusão estrégica sobre o futuro profissional e suas prováveis implicações, preparar um copo com quatro dedos de vodka,  três pedras de gelo e coca-cola.

Consumi-lo ao som de musicas sem bateria, acrescentar gelo a amargura quente e assim continuar bebendo mais  cinco doses.

Seus pensamentos Irão sistemicamente organizar suas memórias, pinçando fatos marcantes que passamos anos sem recordar. Para melhor efeito aconselho estar sozinho, TV desligada.

No meu caso a coisa vem bem decupada. Recentemente aprendi a usar calcularora financeira e ando mexendo no Excel mais do que gostaria, o que deve influenciar, mas a coisa agora vem em gráficos, tópicos, sem nenhum recheio romântico.

Penso em, por exemplo, felicidade. Me vem ia imagem em anexo. Um gráfico. E a explicação:

-       Gordo careca não se mata.

-       CEO de empresa não tem tempo de usar a piscina da casa de praia.

E também deve ser verdade que:

Felicidade Passada Recente   <  Felicidade Atual  <  Nostalgia Feliz do Passado Remoto

Agora, conclusões confusas de grandes pensadores poeta-capitalistas-ortodoxos:

-       Quando você pára pra usufruir, a felicidade expira.

          A tristeza é um exercício mental muito agradável, com destino certo a felicidade, em uma das suas três vertentes.

          Será que faz sentido?

3.8.09

Quero Apenas Passar

Ela, a princípio, era apenas uma mulher de classe média com os cabelos desalinhados e bicolores. Vista um pouco mais de perto, percebia que chorava. Olhava para o chão. Dava voltas em torno de algo que a princípio não era nada, um volume felpudo embrulhado em um pano cor de rosa. Visto de perto, um cachorro morto.

O trânsito espreme-se em torno da mulher e o bicho, fazendo buzinas clamarem furiosas, talvez não para que o tráfego fosse totalmente liberado, mas o necessário para acompanhar de perto a trama.

O motorista sai do carro com um ar solícito e logo apóia a mão no ombro da senhora, que o ignora. Um cobrador de ônibus também desceu do veículo e algumas pessoas de guarda-chuva perguntam o que aconteceu. Entendo pelo movimento de seus lábios: "não foi culpa dele". A mulher ajoelha no asfalto com uma calça de moletom, joga o tronco para frente na direção do cachorro e lhe saltam as banhas brancas riscadas por estrias profundas. Seu tórax se contrai muitas vezes em pranto e o motorista checa as horas no relógio. O cachorro deixou apenas uma linha vermelha de sangue no pára-choque.

A garoa fina não dilui a possa em torno do cachorro. Seus pelos são brancos, o asfalto muito preto, o sangue vermelho cintilante. Todos olham apenas uma vez para o bicho e logo viram a cabeça em horror pelas tripas expostas. Crianças continuam olhando. Pessoas muito preocupadas com o horário querem apenas passar e buzinam sinceramente.