600 reais
Todas as decisões, até as permeadas do mais profundo sentimento, tomadas de surpresa ou calmamente entoadas pelo cantar de passarinhos, todas elas, em certo momento, são convertidas à moeda corrente.
E é confuso tudo isso. Trabalhe-se para ganhar dinheiro. Com ele, nos escolhemos hedonistas: amantes de um chopp com picanha, japonês durante a semana, mãos fechadas: clientes VIP da locadora do bairro, sonhadores perseverantes de uma casa de quintal verde e grande quando já estivermos velhinhos, e no fim ainda nos encontrarmos, mesmo enrugados e incapacitados de fazer amor, pensando em dinheiro.
É confuso tudo isso. Dizem que se deve trabalhar com o que for de gosto, com o que mexa com a alma, anime a cabeça com tal efusão que faça a vida parecer passar bem rápido, com a fluência de seu extrato bancário em paralelo, lívida entre as contas que deduzem seus valores automaticamente. Se for só pelo dinheiro, dizem, é pura frustração e caminho sem volta para stress. Stress, essa definição tão hermética. E caso seja verdade, me pergunto sobre o propósito e a ponta de vontade na alma de caixas de bancos sorridentes, frios cirurgiões e dos carcereiros sob todos os olhares fulminantes dos que cuida.
Você então se fará por não entender, vai torcer o nariz e rir enfadonho. “Não é todo mundo que nasce em berço de ouro”, já posso ouvir, e calma, lhe peço, concordo. Concordo que é preciso, antes de tudo, cumprir o contrato com a sobrevivência. Sobrevivência, tão pouco menos hermética, ainda mais mística quando capitalizada.
É confuso. Suponho então que estas pessoas que trabalham no que não gostam, só por necessidade, pensem bastante em alguma alternativa que lhe renderiam mais prazer e, inevitavelmente, mais dinheiro. Mas o sonho então se calca no gozo bem distribuído em 30 dias ou concentra-se no quinto dia útil do outro mês? E se por desprendimento metafísico e paz capitalista alguém disser que é só pelo dinheiro e pronto, o prazer de usufruí-lo não vem junto? A delícia habita o monte que se junta ou os pouquinhos que se gasta, aqui e ali, no cartão e em espécie, tendo, enjoando, vendo outro, juntando mais. Uma roda intermitente de fisgadas de felicidade, isso é o que vivemos.
É piada comum de veterinário dizer, quando castra o cachorro que nunca havia procriado, que é melhor assim, antes a ignorância que a abstinência. Me agarro nisso então, com o pouco que ganho, meço com um esquadro de 600 reais mensais as delimitações sentimentais da minha alma e torço com olhos apertados para que nunca, nunca venha a, por algum acaso, petiscar em um american bar de hotel 5 estrelas, ou, na sorte de algum código de barra, ser agraciado com uma viagem para país estrangeiro. Ia acabar com a minha paz, sobrecarregar meu coração que já nem imagino como feito de ventrículos e sim dividido entre cozinha, quarto e sala.
É melhor assim, concordo com ele que também deve levar mordidas e tosar por dinheiro. Melhor eu não saber, talvez por me achar inteligente o bastante pra aproveitar de todo, mas muito pouco propenso a me submeter a tê-lo por contínuo. Tudo é proporcional. Tento acreditar nisso, venho tentando. A felicidade e tristeza são garantias das almas e carteiras, cheias ou vazias, e agora penso nessa verbiagem pueril como ridícula.
É ridículo. Cismar no dinheiro é tão tolo quanto inútil. Só me deixe, entre as besteiras de bases frugais, acrescentar mais uma, e aí me vou, contente entre minhas limitações: Nossa vida pende na balança do prato das coisas que queremos e do das coisas que precisamos e, entre os dois extremos, a moeda é a única coisa que parece ter peso. Pronto.
5 comments:
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Silvester
entendi não, esta ultima parte.
e quarto sala e cozinha achei irresistível!
Cada vez melhor..
Bjão
Boa divãgação. Mas os detalhes são importantes para um bom texto. Um erro no título tem de ser corrigido, ou dá idéia de desleixo.
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