12.12.05

Senti Saudades

Senti saudades. Hoje já mais nada, talvez esteja fadado a esses sobressaltos levianos. Mas o que ontem me perturbou ainda é fresco.

Foi quando eu comecei a reparar em várias pessoas que isso veio, em especial um casal, que ensaiava as suas primeiras conversas. Era bonito como ele entrava puro, entre cortejos gracejados, constantes mas bem calculados, em parte da vida dela. A porta da menina eram os olhos, que iam cada vez mais perdendo o medo de olhar para os dele. Eles ali cúmplices daquela recepção solene, no auge onde os dois se trancaram em si mesmos num beijo, e eu bravo e curioso por sentir saudades.

A minha saudade foi como que um mundinho visto de longe, mas que ia chegando mais e mais perto, girando, quanto mais fixamente você olhasse pra ele. Vinha rodando, azul, verde, até chapar no rosa da sua casa. E foi tão chata a saudade que me permitia transpor o muro sem que me vissem, os muros, os vidros, me mostrando você a falar ao telefone, receber amigos, pôr a mesa de jantar.

Existe o botão de emergência. Logo após ser comprimido, você é tragado para o mundo recluso de você e tudo que dos outros depende é depurado. Peguei o martelinho e quebrei decidido a pequena caixa de vidro, soou o alarme, mas nada de sair de lá... Era você assistindo filme, escovando os dentes.

E no resto daquele dia, ontem, as pessoas foram as espigas daquela história que modelos e crianças têm como preferida, as ruas o trigal infinito por onde eu passava sorrateiro com a lembrança da minha princesa.

A raposa vadia e rasa que sou eu, que leva chumbo de caipira aculturado meio a impropérios, corre lisa entre armadilhas postadas sempre no mesmo lugar, ontem não encontrou toca alguma, pra fugir ou descansar. Sustentou triste seu pairar randômico, surpreendendo o bando, as apavoradas galinhas, os caipiras e suas espingardas, porque a princesa um dia a cativara, e dela sentia saudades.

(Thiago Cunha)

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