16.12.05

Velhos falando da Rita

- Já não penso mais nela.
- Que bom.
- Por que bom?
- Sinal de que você esta se gostando mais sozinho.
- Mas quero outra, quero encontrar outra.
- Assim não vai achar nada.
- Assim como?
- Assim, pensando ainda na Rita.
-Mas já falei que não penso mais!
- Se insiste tanto e fica bravo como está agora, pensa sim.

- Ah, me poupe, não quero sermão de pseudo-intelectual, Renato. Você está sozinho por incompetência, e duvido também que haja ideologia no fato de você não ter grana. É incompetência de novo. Não sabe nada dessas coisas.

- Vejo que ainda pensa muito, muito nela.

-Talvez...


- Pois saiba que eu também já pensei, ainda penso, principalmente aos domingos, em muita gente. Mas a tristeza que sinto ao constatar que tudo passa é maior que a advinda da saudade, que vai minguando.

- Tudo passa, isso é verdade.

- Verdade triste amigo. Já passou o tempo em que quis, e pude, correr atrás de dinheiro por meus méritos, assim como vai passar o rancor que eu senti, minuto atrás, quando me ofendeu com o assunto.

- Desculpe. O que sugere então?

- Que faça o que tiver vontade. Mais importante que a coerência é a vontade. Eu, por exemplo, não peço desculpas, não falo que amo e evito elogiar demais. É egoísta, todos sabemos, mas não faço porque falta vontade. Se fizesse, seria pra agradar, ia ficar segurando aquele meu sorriso de foto até finalmente até estourar num desaforo de honestidade, me conheço. Não sei o que faria, por exemplo, se dia desses me declarasse e ganhasse um sorriso de volta. Iria a loucura, o amor envolve muita coisa.

- É…mas Rita é diferente, viu? Muito dela é diferente. Sei que não morreria com a sua ausência, que ver ela com outro seria tanto um choque quanto um alívio. Talvez isso que ainda me deixe nessa angústia, não é? O fato de ainda não ter visto.

- Anda falando com ela?

- Muito pouco. Outro dia ela me ligou, achei conveniente não retornar, talvez por escutar muito você e essas suas besteiras.

- Nunca falei pra não retornar. Falei pra ser honesto. Acho que a monogamia não é só boa pro coração, mas também pra cabeça. Melhor ainda estar sozinho, mas isso vi que o senhor não consegue. Se for sair com a Rita pensando naquelas secretárias do escritório e na última com quem você andou jantando, por favor, não se dê ao trabalho. Ela vai se chatear, o que te deixará feliz por um tempo, mas tratará de esquecê-lo em velocidade alucinante. Deixe-a estar, assim preserva a ternura na lembrança dos dois.

- Então não ligo? Não faço nada?

- Se for tentar levá-la pra jantar e esticar pra algum motel, não. A imaginação dela faz melhor que isso. A não ser que queria se comprometer. Isso de “1 não quer, 2 não fazem” eu não gosto. Conheço a Rita, ela não daria só uma metidinha.

- Olha lá Renato, olha como fala.

- Desculpe.

- Você sabe, o sexo não era o melhor, ela não era a mais bonita. Mas quem sou eu, não é mesmo? Quem sou eu? Agora os cabelos deram pra me deixar de uma hora pra outra. Minha cabeça já reluz sob lâmpada de elevador.

O outro riu, ostentando aquela cara de monge que ele só começou a fazer de 2 anos pra cá.

- Ai, ai Fernando. Pessoa é que tinha razão, quem inventou o espelho destruiu nossas vidas.

- Renato, pára com isso. Eu to falando de coisa séria. Penso em tudo isso que disse, mas é inevitável, por mais que eu ame a Rita, que exista o desejo por outras.

- Verdade. Não ligue então. Se ligar diga isso. Fale que ela realmente está fora do peso, que você está ficando careca, mas que gostaria de vê-la.

- Mas isso é uma loucura que nunca funcionaria.

- Mas que se funcionasse ia te deixar mais tranquilo. Passa também pela cabeça dela, pode estar certo. Você tem de decidir se quer ser bicho ou homem.

- Bicho por gostar de sexo?

- Não, bicho por achar que isso é base de alguma coisa, ou que haja triunfo em ver mulheres diferentes abrindo-lhe as pernas. Acho que existe preço pra isso, 30 reais em casas baratas, chegando a uns 500 nas mais requintadas. Comece a freqüentá-las, sexo é mais simples como valor de troca monetária. Eu mesmo pago, não pra me abrirem as pernas, mas pra não chorarem, não me ligarem, não plantarem em mim nenhuma semente de afeto.

- Pois acho que é você que, desde moleque, nunca esqueceu a Fátima! Ela milionária, você arranjando teorias “milaborantes” para pintar seu fracasso como opcional.

Bicaram na dose de uísque, esperaram dois seguntos para digerir o acesso repentino.

- Deixe eu continuar. Existe também a opção de ser homem. Não se pode ser as duas coisas ao mesmo tempo. Os que misturam ou ficam duvidosos na escolha, acabam tristes. Por quê? Porque quem quiser encontrar profundidade na pessoa com quem mantém uma amizade futilmente erótica vai se frustrar, assim como quem quiser, de uma mulher companheira, simpática, prestativa e amiga, desenvolver o lado lascivo. Essas relações são inviáveis…a primeira assombra a cabeça, cria as mais assustadoras imagens e desconfianças. A segunda frustra o corpo, e também pega no pensamento, formulando pouco a pouco a certeza de que talvez seu tempo esteja sendo desperdiçado. Eu digo, Jorge: seja homem gratuitamente com alguém que saiba que você paga pra ser bicho. Honesto assim.

- Nunca devia ter te pedido conselho.

1 comment:

Anonymous said...

"A Rita levou meu sorriso
No sorriso dela
Meu assunto
Levou junto com ela
O que me é de direito
E Arrancou-me do peito
E tem mais
Levou seu retrato, seu trapo, seu prato
Que papel!
Uma imagem de são Francisco
E um bom disco de Noel

A Rita matou nosso amor
De vingança
Nem herança deixou
Não levou um tostão
Porque não tinha não
Mas causou perdas e danos
Levou os meus planos
Meus pobres enganos
Os meus vinte anos
O meu coração
E além de tudo
Me deixou mudo
Um violão"

1966