22.9.05

A vontade de escrever ultrapassa todo o niilismo colegial que venho sentido. Sentado na frente do computador (mais romântico seria uma velha maquineta), você olha pra tela branca do Word, a barrinha branca piscando no que viria ser o começo de sua história, e tudo passa pela cabeça. Um começo forte? Um quote famoso antes de se iniciar um ensaio charmoso e filosófico?

Por alguns instantes, enquanto assistia a um filme, pensava na vida de uma senhora que havia visto hoje pela manhã. Ela andava calma pela praça, e o ficou fazendo por muito tempo, às vezes andando bem depressa, às vezes quase parada, seus sapatos eram bem polidos, de coro marrom. Exercício não estava fazendo. Talvez pensando em algum filho distante, quem sabe preocupada com o veredicto de seu último exame e já se preparando para discordar veemente de seu médico: “Mas doutor, bem agora que ando saindo e dando minhas andadinhas?!”.
E disso poderia se discorrer uma história não muito longa, que se ateria muito à ilustração. Seu desfecho seria algo engraçado como o seu amor por sal no arroz e feijão e o terror que seria se o doutor, por ventura, o cortasse do cardápio.

Na volta passei por ruas próximas, do lado de casa, mas onde nunca antes estivera. Os guardas em suas cabines me olhavam, desconfiados. Eram bonitas e grandes as residências - pensei comigo sobre a real importância daqueles senhores de bicicleta e apito as defendendo. Antes de sentar no computador também pensei em uma dessas casas, uma de estilo rústico, degraus de tijolos, muitas plantas, trepadeiras bem podadas ao redor de batentes de portas e janelas. Seria a história de uma mulher, mas essa um pouco mais nova. Uma mulher que agora deu pra duvidar de sua beleza, olhando com desprezo os editoriais de auto-ajuda nas revistas que assina. Rosana, ou Lúcia, ou Angélica, ou Marisa teria manias, como a de sempre acompanhar o trabalho do jardineiro e nunca, nunca se esquecer do jornal do marido, mesmo ele quase nunca lendo. Seu carro seria preto, tipo caminhonete, com uma cadeirinha suja das bobagens que seu filho come. Sua profissão seria tradicional, no seu escritório guardaria fotos da família e do cachorro na tela do computador e grudadas com imã nas paredes da baia. Mas o fim disso também não é promissor. Aliás, retiro isso que disse, toda história pode ser promissora.

A dificuldade é de se escolher tema plausível de espanto, de reflexão. Por isso , por falta de imaginação, um pouco de covardia e uma necessidade urgente de esvaziar a cabeça que resolvo estender as mãos à salvadora metalingüística. Sim, porque nada adianta escrever à toa, sobre assuntos de embasamentos temerários, a pairar entre frases ora curtas, ora muito extensas, vírgulas inesperadas, enfeites a disfarçar o oco sobre o que se escreve. Antes escrever honestamente sobre coisa nenhuma.

Agradam-me mesmo as ótimas idéias, e essas quanto mais simples, melhores, idéias imunes ao uso pouco criativo da língua. Tenho essa necessidade muito grande de encontrar idéias, idéias dentro das idéias, felicidades nas coisas mais corriqueiras, e tristeza quando tudo parece certo. Pois, pra mim, a vida nada mais é que um ciclo oscilante, complacente com tudo o que possa vir a acontecer. Dentro desse ciclo, as pessoas se distinguem pela freqüência em que vivem e pelos momentos em que param para assistir a vida. Ando muito observador desse panorama, por isso, e não por qualquer outra razão, agora eu sento aqui e torço pra desamarrar o nó que de vez em quando não te deixa nem viver, nem assistir, tamanha quantidade de informações. Eu vivo agora, desamarrando um nó.

Escrevo com a esperança de uma linha mostrar-me modestamente algo mais importante do que penso, e essa é a mesma esperança que tenho quando pego um livro pra ler. De de repente abrir uma página e me descobrir, mesmo que vivido por outro personagem, em outro tempo, vivendo. Sento hoje, de noite, escrevendo sem nenhum tema, para amanha acordar e tudo parecer um pouco mais novo. Até que novamente tudo se repita, as linhas se encontrem e em conflito façam entre as dúvidas uma amarradura ainda mais firme. Terei de sentar novamente, então, a viver.

(Thiago Cunha)

1 comment:

Anonymous said...

Cunha,
estava cansadíssima, a caminho da cama quando me deparei com seu incríííível blog!
Não parei antes de ler uns 8 textos. E a cada final, minha surpresa era maior.
Que você é um pensador e extremamente observador,´para mim estava claro. Mas que consegue expressar todos estes pensamentos de uma forma tão rica, é uma surpresa!
Encantador o seu blog!
Virei fã!