30.11.09

Lover

There ain’t no lover like the one I’ve got
Cause she’s afraid of the beginning
And makes fun of the ending
Cause I think of her the whole time
Like money did not exist

And it feels like I had the entire life to waste
Waiting for our conversation to finally connect

We are thinking about what we should do
A lot more of just doing it
And for liking her so much
And as she’s being stuck into my thoughts and all

I sometimes wait
Other then just calling her and spending two hours trying to explain myself

Cause love seems to live in an island
Drinking martinis and smoking cigars
And I appear to drive a rescue boat
Leaving from a drowning huge ship.

29.11.09

Resort


É a terceira vez que deixo a chave do quarto cair entre os vãos de madeira do deck da piscina. Uma coincidência terrível que agora faz a moça da recepção apenas entortar a cara, depois de já ter dito que isso sempre acontece ou que iriam mesmo tomar uma providência sobre as valas no piso. Pede para esperar um minuto, arfa explicitamente e apanha um novo cartão da gaveta. Pronto, tome.

O hotel foi projetado a beira da praia e o mar quebra logo aqui, separado da piscina por um deck suspenso. Cercados pelas paredes estamos nós, hospedes, relaxando, comendo, nos divertindo e sendo felizes. É isso exatamente o que uma placa no lobby sugere: descanse, coma, divirta-se e seja feliz, em letras azuis acima da imagem de um sol estilizado.

Depois de atravessar longos corredores, eu chego ao elevador e subo para o quarto, exagerado para a estadia de apenas uma pessoa. A cama menor logo vira cabide. Ao abrir a varanda, a proximidade com o mar é de grande efeito, fazendo-me lembrar de um poema de Pablo Neruda.

Os hóspedes são quase todos integrantes de uma convenção do Ministério da Saúde ou de famílias bem grandes e para garantir que sejam felizes, dezenas de pessoas uniformizadas de regatas amarelas e shorts de corrida gritam “bom dia” pelos corredores. Na piscina principal, correm pelas bordas puxando as senhoras pelas mãos e jogando-as na piscina, depois um carrinho emboca em uma das margens e descarrega dezenas de isopores coloridos ao som de Fred Mercury, enquanto um dos animadores encaixa seu microfone na cabeça e começa um gesticular ridículo de boca, braços e tronco. A felicidade transborda com os movimentos das pernas flácidas.

Os maridos apoiados no bar pedem cerveja e assinam papéis com canhotos cor-de-rosa. A felicidade é um uníssono de gargalhadas guturais sobre piadas pornográficas.

As crianças me perguntam o nome e querem ser jogadas para cima, e mais uma vez, agora de costas.

Uma das dançarinas pergunta o que é que estou fazendo por aqui. Os funcionários do Ministério não pagam a bebida e alguns me arrumam wisky e eu fico feliz. Fico bebendo sem assinar papel algum.

Depois pego um livro e vou para uma piscina afastada. Minha felicidade não quer ser catalogada, eu não quero fazer esquibunda. Comigo sempre está uma garota que, percebe-se, come mais do que é feliz. Ao me ver chegando, veste a camiseta e coloca os óculos escuros. De vez em quando levanta e encosta na água da piscina com a ponta dos pés. É a dica para que eu possa dar uma circulada e ela entrar sem que ninguém a veja de biquíni. Para sair, encosta na borda, bem na minha frente, com o olhar perdido no mar. Dou outra volta e ela já está novamente vestida com seus óculos escuros.

Fico lendo Lygia Fagundes Telles até escurecer. É genial, triste, e minha felicidade é esse silêncio de milhares de palavras impressas. De repente escuto um “Thiago” baixinho. E novamente. Na varanda alta, uma criança se estica e acena ainda vestindo a bóia.

17.11.09

Namorada


Contei-lhe um pouco de mim,
você me desconheceu mais de perto
e foi chegando,
mesmo sabendo que nunca iria de fato chegar,
cada vez mais perto,
porque era minha namorada.

Com duas pontas do dedo eu estico o mundo e o rodopio. Existe sempre por aqui uma saudade instalada das pessoas que passam enquanto as plantas vão crescendo. E eu estou sozinho, acordando e dormindo sob a supervisão das pupilas comprimidas do gato. No mundo, em dois toques para a direita está uma cidadezinha americana que ainda habita meus sonhos. Muito comum acordar com um "rise and shine" reverberando entre as paredes do quarto pequeno. Mas ninguém o disse e também não existem cachorros enormes correndo entre a mobília e pessoas rosadas sorrindo, mexendo em talheres e agindo como se estivessem sendo filmadas.

Não existe a brisa na chegada a praia, nem o cansaço de se ter jogado três partidas seguidas. Não existe medo de avião, nem de prova. Ninguém está doente e eu sinto uma vontade intensa de começar a fazer alguma coisa. Não existem problemas, mas me descubro com potencial para inventá-los. As boas memórias parecem ter sido cristalizadas em um bloco de passado remoto, que eu manipulo sem poder quebrar ou abrir, e esqueço de um cheiro da infância a cada dia que deixo de ligar para a minha avó.

29.10.09

Feliicidaade, sim....

"Eu repenso a luz dentro deste quarto escuro. Volta e meia abro uma fresta e experimento a felicidade sobre a qual especulo. Um sentimento que persegue as pessoas, e por mim é perseguido. Eu o desfibrilo, entendo sua cadência como ouvidos privilegiados transpõem a música no papel. Conheço seus sintomas e isso talvez já seja em si o remédio. De tal forma que tornou-se pra mim uma opção, um estado facultativo."

6.10.09

Fish in a Jar


People always want to step out of their lifes
Few are birds in a cage
Most are fishes in a jar.

1.10.09

Irreversível

A estatística vai ser sempre uma previsão aplicada ao resto do mundo. Para cada um, ainda que com os mesmos sintomas, acidentes se desdobram em sensações incatalogáveis.



- Então, eu diria que as chances são mínimas. Remotas, na verdade. Depois de estabilizado, posso indicar uma pessoa. O procedimento é o seguinte: encurtam os tendões da pálpebra respeitando a simetria. Você pode não fechá-lo completamente depois disso. Vai precisar pingar uma solução a cada três horas. Além de ser uma cirurgia bastante complicada.

- Essa doença é comum?

- Não. Raríssima.

- E não existe tratamento? Nada? Acupuntura?

- Pois é. Nada. O melhor a fazer é agradecer por não ter sido nada grave.

- É. Realmente. Você já viu a mulher do Amaral?

- Hahahahaha. Bom, Thiago, muito prazer em conhecê-lo. No retorno, traga seu pen drive e o resto dos exames. Irei te passar as fotos e vamos tentar descobrir qual neurônio foi afetado.

- Sabendo, dá para se fazer alguma coisa?

- Não.

14.9.09

Quê?

Existe um catálogo idealizado pela minha cabeça e revisado pelo fígado. Nele estão todos os sentimentos do mundo e sugestões de conduta que eu já decorei. As pessoas são todas muito parecidas e as situações ecoam na caixa ressonante da vida, sempre. É claro que eu penso mais do que deveria. Eu teorizo as coisas como se uma linha racional pudesse mesmo ser o ponto de equilíbio pacífico entre a alma inquieta e o planeta de coisas recorrentes.

E sempre funciona. E as teorias vão enrijecendo e eu vou falando menos. Mas ontem senti alguma coisa e me paralisou.

Cap 12: Como usar os poderes:

- "só use o poder quando a possibilidade de que ele funcione seja alta."


Não tinha nada escrito sobre o que fazer contra pessoas que tenham o mesmo poder que o seu. Eu fico quieto, abro um sorriso e fico me tornando misterioso pelas coisas que eu deva estar pensando. Ela também, de maneira muito mais profissional.

Acrescentei ao capítulo "gostar de alguém":

- "quando o poder não sai".

Eu quero ficar quieto, não consigo. Falo qualquer coisa, ela ri e eu pergunto: "quê"?

27.8.09

Tomtom

Estrelas cintilantes eletrônicas
Fosforescem as estradas que me indicam
As vozes estridentes poliglotas.

24.8.09

Astronauta


Fechou mais uma vez a comporta 22, voltou para a sala central onde os
japoneses conversavam euforicamente e sentou na cadeira, largando o
corpo. Murmurou "ai Maria, que saudades", levantou-se, respondeu
reciprocamente ao sorriso de um dos parceiros intergaláticos e
recolheu-se na cabine privada.

A base era um aperto, o exercício era quase impraticável, apesar da
modorra ser motivo maior que a falta de espaço. Até da respiração eles
haviam sido instruídos a não abusar, e por todas as pesquisas também
andarem devagar devido a falta de verba de sabe-se lá que cluster,
sobrava muito tempo para divagações.
Heis as dele, penduradas na cortiça que a NASA aprovou pregar, ao lado de
sua beliche.

" Ainda não me descobri como dono ou desertor do planeta. Minha
posição pode muito bem ser interpretada das duas formas. Sinto
saudades, o que sugere que a segunda teoria seja a mais correta.

" Os japoneses, nas horas livres, jogam cartas e cantam. Não aprendi
sequer uma palavra em japonês enquanto estava aqui. Nos comunicamos em
ingles, e nessa lingua me disseram que cartas e músicas são seus
hobbies. Comecei a acreditar que existe muito mais de você no hobby
que no ofício. Eu sou a contemplação do mundo. Abro a comporta horas
seguidas para sublimar o momento em que pela janela espio o mundo.
Queria ter sido músico. Hoje é bem sabido por mim todas as
peculiaridades envolvendo físicas e engenharia mecânica. Acordes sei uns 4.”

"Maria não é perfeita. Sua falta por vezes é triste, mas não é
perfeita, bem como eu que saio do mundo só pra sentir falta dele.
Saudade é coisa perecível que quando vencida vira mera curiosidade.
Faz muito tempo, eu e ela viramos a curiosidade um do outro: "Como
andam as coisas por lá?" E a distância vai enchendo uma bolha
especulatória que parece aumentar e nunca explodir. Dentro dela o amor torna-se a coisa mais sublime, já que se ama a idéia e longe não existe o real para contra-balancear todas as doces expectativas.”

“Vejo o mundo pequeneninho da sala de refeições. É estranho mensurar tamanho e tempo vendo o mundo desse jeito. Tento imaginar meus conhecidos com maior perspicácia, e para isso não sei se “tiro a raiz”, divido ou multiplico. Quanta vida existe. Tenho medo de que em mim ela mingue, lá dentro. A solidão simplifica e endurece a vida. Me sinto bem, mas pouco falo com o resto da tripulação, minhas indagações andam a serem interpeladas por concisas certezas e isso me preocupa. Elas já duram muito e são poucas. As estrelas, pra mim, tornam-se aos poucos os pedregulhos que de fato são.”

“Considerando existir coisas vivas, e outras vivas dentro dessas, tenho as segundas como as mais grandiosas, e em mim atrofiam por já não terem treino periódico. Se pudesse ao menos adicionar o tato ao exercício de sua lembrança…”ah, Maria”…

“A idéia do infinito, especulada lá de baixo por casais de namorados aos suspiros, vira daqui de cima o fato mais enfadonho. Resta a mim imaginar a redoma do universo, uma janela do lado de fora e alguém ainda mais sozinho a me observar.”

“Torcer para que ainda sejam muitos os beijos da metafísica no ceticismo e que eu chegue perto, mas não volte mais à Terra. É de toda a gente, e de mim também, isso de ser mais completo na convalescença da doença que no gozo da completa saúde. Que eu chegue só perto”.

23.8.09

Meu Ombro Dói

Minha alma de artista é criança. Ela não pensa em dinheiro. Mora em um planeta de argila que quer mudar. Meu corpo coorporativo lança todo gasto em uma planilha computadorizada de controle e nem suas próprias articulações são muito maleáveis, visto que meu ombro parece não sarar.

Eu estico o braço para o banco de trás tentando alcançar a mochila. Ele dói. Passo a marcha, ele dói. Dói quando eu seguro muito o celular no ouvido e também se cumprimento um cliente mais entusiasmado.

Vou para o médico e saio com uma indicação para dez sessões de fisioterapia. Lá, conheço uma senhora que mora em um asilo e é dona de um peixe que nada de cabeça para baixo devido a uma enfermidade aquática que o rapaz que o vendeu não sabe explicar, o que faz com que a senhora fique muito chateada, falando bem fino e baixinho, porque joga a comida e o peixe só a enxerga muito tempo depois, tendo que caçar os flocos coloridos entre o cascalho do fundo.

Puxo um elástico dez vezes seguidas, por três vezes intervaladas, escutando sobre o peixe morcego que não morre, apesar da má alimentação e exótica postura. Agora a bola, apoio com o braço dolorido em uma bola gigante. O ultra-som agora, agora deita aqui. A dor não passa.

Busco o meu casaco no banheiro. Em pensar que finalmente voltaria a jogar tênis. A moça da academia me liga. Olá, bom dia, eu queria estar marcando, quando você vai estar melhorando? Não sei, o ombro não pára de doer. Em pensar que eu ainda tenho mais nove parcelas do tênis do Rafael Nadal e cinco mais da raquete do Bagdadis.

O cliente me liga. Falta produto. O produto está muito caro e é bom parar por aí e não aumentar esse preço porque senão o consumidor vai se assustar. Você não vai aumentar, não é? Eu tenho que aumentar. Eu tenho que chegar lá e dizer que deu alguma “zica” na Argentina. Vou aumentar e ainda vou ter que vender. Vou dizer que se não for comprar, pode esquecer aquele desconto na nota, aquele aumento no prazo. Tem que comprar.

Dez sessões. Entro no carro, vou buscar a pasta no chão do carro, meu ombro dói. Passo a marcha, meu ombro dói.

22.8.09

Gráfico do Sentimento Pendular Perene


Já faz um tempo em que não nos encontrávamos. Eu e esse estado flutuante de consciência. Talvez tivesse esquecido a receita que agora escrevo e arquivo para posterior consulta. Basta, em noite de total confusão estrégica sobre o futuro profissional e suas prováveis implicações, preparar um copo com quatro dedos de vodka,  três pedras de gelo e coca-cola.

Consumi-lo ao som de musicas sem bateria, acrescentar gelo a amargura quente e assim continuar bebendo mais  cinco doses.

Seus pensamentos Irão sistemicamente organizar suas memórias, pinçando fatos marcantes que passamos anos sem recordar. Para melhor efeito aconselho estar sozinho, TV desligada.

No meu caso a coisa vem bem decupada. Recentemente aprendi a usar calcularora financeira e ando mexendo no Excel mais do que gostaria, o que deve influenciar, mas a coisa agora vem em gráficos, tópicos, sem nenhum recheio romântico.

Penso em, por exemplo, felicidade. Me vem ia imagem em anexo. Um gráfico. E a explicação:

-       Gordo careca não se mata.

-       CEO de empresa não tem tempo de usar a piscina da casa de praia.

E também deve ser verdade que:

Felicidade Passada Recente   <  Felicidade Atual  <  Nostalgia Feliz do Passado Remoto

Agora, conclusões confusas de grandes pensadores poeta-capitalistas-ortodoxos:

-       Quando você pára pra usufruir, a felicidade expira.

          A tristeza é um exercício mental muito agradável, com destino certo a felicidade, em uma das suas três vertentes.

          Será que faz sentido?

3.8.09

Quero Apenas Passar

Ela, a princípio, era apenas uma mulher de classe média com os cabelos desalinhados e bicolores. Vista um pouco mais de perto, percebia que chorava. Olhava para o chão. Dava voltas em torno de algo que a princípio não era nada, um volume felpudo embrulhado em um pano cor de rosa. Visto de perto, um cachorro morto.

O trânsito espreme-se em torno da mulher e o bicho, fazendo buzinas clamarem furiosas, talvez não para que o tráfego fosse totalmente liberado, mas o necessário para acompanhar de perto a trama.

O motorista sai do carro com um ar solícito e logo apóia a mão no ombro da senhora, que o ignora. Um cobrador de ônibus também desceu do veículo e algumas pessoas de guarda-chuva perguntam o que aconteceu. Entendo pelo movimento de seus lábios: "não foi culpa dele". A mulher ajoelha no asfalto com uma calça de moletom, joga o tronco para frente na direção do cachorro e lhe saltam as banhas brancas riscadas por estrias profundas. Seu tórax se contrai muitas vezes em pranto e o motorista checa as horas no relógio. O cachorro deixou apenas uma linha vermelha de sangue no pára-choque.

A garoa fina não dilui a possa em torno do cachorro. Seus pelos são brancos, o asfalto muito preto, o sangue vermelho cintilante. Todos olham apenas uma vez para o bicho e logo viram a cabeça em horror pelas tripas expostas. Crianças continuam olhando. Pessoas muito preocupadas com o horário querem apenas passar e buzinam sinceramente.

22.7.09

Eu omito muitas vezes as coisas que eu quero dizer porque é arriscado gostar de alguma coisa muito.

26.5.09

Embebedado

Gal Costa



Pendurado de banda
No vão da varanda
Do prédio a rodar,

Não sei mais se é o mundo
Que cai aos meus pés
Ou de pernas pro ar;

Embebedado de você,
Tonto na beirada da

Tentação de cair e voar,
Até me aninhar em você,

Mal parado num muro
Sem prumo, em que estudo
Onde me equilibrar,

Entre o chão e o barraco
De estrelas que cai
No que foi nosso lar,

Abandonado por você,
Louco querendo mamar
Do segredo da vida e gritar
Até me agarrar em você,

Arrastado por dentro
Ao meu próprio espetáculo
Em tal patamar

Pela mão da sereia,
Que vai se tornando
A sirene a soar,

Convidado de luxo
A deixar a ribalta de amar

Pela escada de incêndio e baixar
Até me assistir escapar você,

Muito embora indo embora,
Eu mesmo mentindo
Devo argumentar:

Sou a sobra do efeito
Cascata da vodca
E desse luar.

13.5.09

Coadjuvante e Protagonista

O mundo tem coadjuvante e protagonista. O primeiro, em grande maioria, não percebe quando perde todas as chances de ser o segundo. Acontece que existe alguma coisa, uma reação química que faz com que os coadjuvantes, ao verem-se sem senhuma expectativa de de conseguir papel maior, não se joguem pela janela ou larguem-se perenemente aos efeitos degenerativos de uma vida drogada, nômade e internacional.

Quando isso acontece, sem saber exatamente o por quê, eles casam. Eles começam a pensar em fralda, porque a quantidade de pequenos afazeres é inversamente proporcional à investgação das coisas que realmente importam. E se fralda for pouco, se ele trabalhar em uma empresa que vende fraldas e que dá benefícios ao funcionário, ele pega um empréstimo, ele viaja para a Europa com o limite do cartão novo, que vence quinze dias depois do antigo, e se concentra em lembrar e falar da viagem semanalmente para que as brigas com a mulher nos seis próximos meses de aperto não sejam em vão.

Os protagonistas arriscam. Eles fizeram sempre o que gostavam, porque é só assim que se faz algo realmente bem, e passaram anos em uma situação que para os outros era arriscadíssima, porque tudo o que gostamos tem muita pouca chance de ser rentável. Alguns poucos tornaram-se os protagonistas de hoje, referências que mais se aproximam do que é ser feliz, outros muitos são o pior tipo de coadjuvantes.

Um “quase protagonista” assiste a tragetória de antigos colegas agora bem sucedidos, e as comenta em restaurantes como se a amizade em cidades cinzas cosmopolitas fosse algo que resistisse ao tempo. Muitos, também vítimas de outra reação química, tornam-se vorazes leitores de auto-ajuda e usam frases de “quase protagonistas” que eles mesmo salvaram para justificar que sua “quase felicidade” é opcional. E inspirados nelas também sentem-se confiantes ao ligar para os antigos colegas protagonistas, pedir ajuda da maneira mais nebulosa possível e receber, com sorte, um salário que deixará a esperança mais honrosa.

O que tem em comum é o fato de estarem todos letárgicos, presos a uma conformidade absorta raramente interrompida por reflexões. Todas inócuas contra a competição declarada que todos travamos hipócritamente, todos os dias.

Ou eu talvez tenha um dispositivo binário onde as coisas só podem ser uma coisa ou outra e minhas preocupações sejam sintomas de uma crise pela qual as pessoas da minha idade passam quando lêem sobre moleques que hoje são ricos criando coisas e outros que logo serão milionários as vendendo. Eu ainda não escolhi meu lado. Eu não me apaixono por nada.

12.5.09

Mais Formigas que Cigarras


Se possuidor de coisas que gosta e for de seu intuito preservá-las e a elas agregar outras, é mister ignorá-las, mesmo que propositadamente.

A satifação deteriora o que com dinheiro se conseguiu comprar.

Por isso nunca param de estudar (administração, engenharia), de se relacionar da forma mais política com quem lhe for de interesse, pois aproveitar as tardes amenas do sítio e preservar amizades despretenciosas parece não ser monetariamente confortável.

Foque. Pense apenas no próximo sofá e no mais novo aliado que seu dinheiro irá conquistar, mas sabendo que seu legado não será a casa de campo e sim a responsabilidade de mantê-la, o medo de perdê-la, enfim.

Melhor fossem todos autores de um bom livro lucrativo. Assim poderiam encarar suas posses como mero acidente, e usufruí-las com a leveza de quem delas não precisa.

Mas isso é impossível, não é? Para o mundo ter graça, sempre haverá mais formigas que cigarras.

24/5/2005

7.5.09

E se...

E caso fosse amor, o que nós saberíamos? Temos mesmo tudo diferente um do outro. Então do que vale fazer ressonante essa retórica inflamada onde todos tem razão?

E se for amor? Caso você seja a mulher mais linda que eu já vi. O engano nos invade na mesma proporção da vontade de se apaixonar. Se o trânsito chegou ao seu limite e minhas preocupações são muitas, eu não sei. Eu não sei se amo você. Eu quero te ver, quero ouvir música com você. Quero reclamar da minha vida parada, de todos esses segundos recorrentes.

Talvez te procurar acesso via internet. Quero o desafio de sempre te ter distante e de repente te abraçar. Não sei quanto tempo você namorou. Seus olhos são diferentes para mim, seus olhos são o foco da minha câmera, que flutua enfadonha meio ao bando de babacas.

14.4.09

Olhe ao Redor


Olhe para todos a seu redor e veja o que temos feito de nós. Não temos amado, acima de todas as coisas. Não temos aceito o que não entendemos porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas, coisas e coisas, mas não temos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não esteja catalogada.Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora, pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas. Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar, mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos o que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe. Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer "pelo menos não fui tolo" e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.

(Clarice Lispector)

6.4.09

Diagnóstico

Ao ligar o rádio, escuta-se o diagnóstico triste de uma cidade doente. Uma cidade que talvez tenha administrado muito mal o uso de antibióticos quando pequena e agora convive com monstros mutantes e incuráveis. Mas olho pela janela do meu apartamento e vejo muitas cores, uma rua arborizada transitada por mulheres de vestidos alegres, sacolas, bicicletas. Devo habitar um órgão para o qual a cidade toma remédios de tarja preta.

26.3.09

Por pelo menos um minuto.

Por que será que eu deveria esperar? Já que é mesmo carnaval e todo mundo já se fantasiou?

O bonde sobe até Santa Teresa e existe placas em seis idiomas dizendo ser proibido tirar fotos e aquele monte de flash e um policial tentando invadir uma casinha da onde sai musica da melhor qualidade e logo ele desiste e a cerveja é dois, ou três por cinco.

Por que eu não largo logo tudo e junto algumas coisas numa mochila de carregar nas costas e divido um apartamento em Perugia com cinco pessoas de nacionalidades diferentes e começo a escrever um livro e pensar menos na morte da bezerra e nas fatalidades que eu antecipo, antecipo e elas nunca vêm porque me acautelo da crise que eu sei que vai me salvar?

Talvez porque eu pense demais e já não consiga conversar sem chegar ao ponto de discutir o cerne do mundo, sendo que no fim eu talvez só queira transar para esquecer suado de tudo que eu penso. Por pelo menos um minuto.

17.3.09

Talvez, ainda...

Eu sento-me aqui, enquanto famílias se desestruturam e fazem as pazes ao bater de portas, aos berros que reverberam no vão oco do prédio velho. Existe um jornal que não leio ainda embalado em um plástico fino azul, um televisor com 120 canais que não ouso ligar, peixes em uma água turva e um gato preguiçoso que não responde aos movimentos das carpas, ao bater de asas dos pombos, um gato que talvez esteja precisando de uma consulta veterinária que esse mês não consigo pagar.

Hoje andei por uma praça. Muitas folhas secas e uma poça que fazia levantar um cheiro dos meus cinco ou seis anos. Sentei-me por ali enquanto pessoas eram demitidas, corriam para entrevistas ou preservavam seus atuais ofícios, atrasadas, engarrafadas em um tráfego lentíssimo e fumacento. Eu queria ter sido patinador do Carrefour quando tinha cinco anos. Médico de bicho, jogador de futebol. Alternativas todas inviabilizadas pelas conversas do meu pai e seu método maluco de dissuasão. Melhor assim, imagino.

Meu telefone tocou e conversei por minutos em um tom de voz claro e forte dizendo coisas que para quem passava na rua deveriam parecer bastante importantes. Mas não eram, não. Apoio as costas no encosto de madeira do banco. Cortam grama e esse é um cheiro dos meus dezesseis anos. Aos meus dezesseis anos eu queria ser escritor e, talvez, ainda...

31.1.09

Não me Deixe Escolha

"Não me deixe escolha e perseguirei toda pequena tarefa como presa a ser abatida e devorada. Peço que o faça, em preces agnósticas, antes que me consuma o estudo das possibilidades. Pelo amor de deus."

19.1.09

Curtam um Caetano

Odeio os nomes Jacu- Pêssego, Anhaia Mello, Radial Leste e outros tantos que sobre a situação do tráfego o rádio insiste em reportar. São nomes pra mim tão burocráticos. Cheiram a diesel, chovem, alagam, são nomes que devem vestir a camisa com 4 botões abertos, usar um escapulário antiqüíssimo perdido em tufos de pêlos grisalhos, fumar charuto, trabalhar em uma rede atacadista rodeado de caixas, caminhões, frente a um computador com a tela negra e letras em verde néon.

Devem dirigir carros dos anos 90, pendurados em multas. Aos finais de semana bebem muita cerveja, compram-nas às caixas, sentam-se à TV por horas abraçados em um balde de tremoço e torcem grosseiramente para um time lutando contra o rebaixamento.
Esses nomes são cobertos de cimento, que esquenta no sol escaldante e assola as borrachas dos pneus. Um cimento que cria aquaplanajem e faz estacionar os motoqueiros temerosos no acostamento. São nomes por onde se passa e não se mora.

E o rádio toca seus “techno beats” meio aos impropérios dos ouvintes. Radial Leste parada, Avenida do Estado intrafegável, e ficam todos apreensivos, e todo mundo esquece do Gil, do Caetano. Vem o helicóptero com as opções de atalhos para fugir do congestionamento. Todos preparam-se para dar a seta, aquela chuva, aquele calor, tanto motoqueiro, um caído. Vai, vai meu filho. Bandeirantes? Não, desce a Vereador e no Cebolinha você tenta pegar a 23. O Eusébio disse que subiu a Brigadeiro em 20 minutos, a Jusséia estacionou em uma padaria do Jardins porque por lá não tem condição. O cara do rádio anuncia o caos como que narrando o páreo final de alguma corrida atravancada de jabutis.

E então uma primeira pessoa acha muito prudente buzinar. Uma outra concorda, ainda mais enfática. E aquela centopéia monstruosa fica balançando seus gomos sem quase sair do lugar. Todos sintonizados no uníssono esganiçar de repórteres estagiários.

Olha...isso tudo para dizer que eu gostei da rádio OI, também da Mitsubish. E descobri as duas em uma mesma avenida que, não me lembro o nome, foi andando, andando, até que eu cheguei em casa sem nenhuma artéria entupida e sem ter visto nenhuma veia de São Paulo explodir, como prenunciava o locutor.

E cabe aí um conselho lógico: Se todo mundo for obedecer o radialista e procurar rotas alternativas ao mesmo tempo, basta ficar na mesma avenida, curtindo um Caetano.

12.1.09

Quanto mais fumaça, mais cor eu vejo

Eu escrevo sobre emoções retrógradas de um coração trabalhador. E quanto mais fumaça, mais cor eu vejo, mais fácil eu choro.

Eu escrevo triste, e a tristeza que motiva também facilita minhas felicidades instantâneas cada vez mais freqüentes. E quanto mais triste, mais só, melhor administrada é a felicidade que sinto, apurado o ângulo da câmera, até nesse cenário inóspito, nessa solidão irremediável, no fundo dessa garrafa vazia.

Adianto meus pesares nostálgicos ao teorizar que, inevitavelmente, não me arrependerei de nada. Sou feliz por saber que terei saudades.

5.1.09

Não Precisa

Não precisa gostar-me de fato
Tão inconteste
Assim irrefutável

Basta calar-se, não dizer mais nada e vir comigo

Não precisa ter conhecimento de meu passado afetivo
De minhas façanhas monetárias
Ter fotos minhas de quando criança

Já está bom assim, com o sal a estralar em seu sorriso de praia

Eu não peço, por isso você também não cobre

Caída a tarde laranja é provável que eu beba
Errependa-me de tudo
É provável que me descubra outro
E que falte a memória recente
De meus amores menores.